segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Ônibus

Durante um ano eu estudei no mesmo colégio que meu primo. Aquilo parecia muito prático: poderíamos dormir na casa do outro durante a semana, ou mesmo voltar juntos da aula, tendo assim alguma companhia menos comum que a de um irmão, menos excitante que a de um amigo.
Eu, como garota que sempre estudou em colégio perto de casa e tinha pais à disposição para levar ou trazer, andara muito pouco de ônibus durante a vida. Mas meu primo voltava para sua casa todo dia desta forma.

Como era esperado, veio o dia em que ninguém pôde me buscar. Então encarregaram o Noel de levar a priminha até sua casa, para lá ela ficar durante a tarde, alguém viria buscar depois. Nós dois descemos a Monte Alegre com bastante calma, falando de besteiras, para chegar até uma avenida e pegar o ônibus que nos levaria à Lapa.
Não desobedecendo minha capacidade rara para ficar tensa sem motivo algum, meus pensamentos durante aquela viagem tornaram-se, rapidamente, dignos de se contar aos outros.
Para começar, aquela maldita mochila dificultava meus movimentos, o que fez com que uma simples passagem pela catraca demorasse longos, tensos segundos. O Noel tinha entrado na minha frente, arranjara rapidamente um lugar lá no fundo. Deixei, então, cairem todas as moedas. Todo o ônibus se agitou para me ajudar a buscá-las, e eu agradecia a todos, embaraçada. Nonô sorria com o meu embaraço por algo tão simples e bobo.
Não havia mais lugar vago. "Melhor assim", pensei,"porque lugar de idoso é o que me deixaria tensa". Como Murphy é um desgraçado, uma moça saiu de seu lugar logo no próximo ponto. Olhei para o assento vazio. Não achem idiota quando eu disser que ele também me olhou para mim, porque tenho certeza que olhou. Não sente aí, Isabel, não sente. Mas por que ficar de pé? Irônico, a única pessoa de pé no ônibus estava ao lado de um lugar lindamente vago. E talvez não entre mesmo ninguém mais velho nos próximos ônibus.
Sentei. Claro, foi a minha desgraça. Quando chegou uma mulher bem, bem grande, eu logo pensei se obesidade poderia ser considerada deficiência, então eu teria de dar o lugar. Mas a mulher não devia ser obesa. Obeso é quem tem o IMC acima de 30, certo? E quanto será que essa mulher mede e pesa?
Em meio a somas e potenciações, chegou uma outra que estava lá pelos seus 50 anos. Uma idade perigosa. Poderia ficar magoada se eu oferecesse o lugar. Mas e se eu não desse e então ela resolvesse gritar comigo? Então passei a ter medo de todos que entravam e eram mais velhos que eu. Ora essa, o ônibus inteiro devia ser mais velho que eu.
Resolvi que era mais inteligente parar de pensar nas pessoas que chegavam. Fiquei ouvindo a conversa dos dois que estavam atrás de mim. Uma baboseira sem fim que me encheu de inveja. Ficar sozinha em um ônibus só me fazia pensar besteira. Olhei para o Noel, então ele fez o sinal de que era a hora de descer.
Depois de empurrões senti o ar de libertação da Pio XI e cuidei logo de perguntar ao Nonô a partir de qual idade deve-se oferecer o lugar.

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